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Comuna dos Sonos, quadrinho futurista imagina o Recife daqui a 200 anos

Título marca a estreia na produção autoral da pernambucana radicada na Irlanda, Roberta Veras

Roberta Veras

Certa noite, enquanto dormia, a designer e ilustradora Roberta Veras adentrou em um novo mundo, um outro Recife, situado em um futuro distante e diferente da cidade que conhecemos hoje. No entanto, o que poderia ser apenas mais um sonho que cai no esquecimento, se tornou fonte de inspiração para a HQ Comuna dos Sonos, título que marca a estreia da pernambucana na publicação autoral em quadrinhos.

Eu sempre tive sonhos muito vívidos e recorrentes, muitas vezes o conteúdo se repete como uma gravação. Devido a isso eu comecei a entender quando eu estou sonhando (mas nem sempre), tendo consciência da condição de estar dormindo. Às vezes, eu consigo controlar os sonhos e eu estou na pele de outras pessoas, como um personagem”, conta a autora em entrevista à Revista O Grito!.

“O sonho que deu origem a Comuna dos Sonos foi bem assim. Eu entendi que estava sonhando, mas não era capaz de acordar. A cidade era Recife totalmente modificada, como em um tempo futuro, com pessoas que não pareciam recifenses. Logo, percebi que eu era um ‘ser’ diferente e, de alguma forma, ‘indesejada’ nesse local, e uma sensação de estranhamento e perigo tomou conta”, relata.

Na série, a quadrinista dá vida a protagonista Princi, uma jovem que está dormindo e, em sonho, percebe estar rodeada por uma sociedade à frente do seu tempo. Assim, ao longo de 60 páginas, a HQ passeia por uma Recife futurista. Lá, monumentos como a Torre Malakoff e a Igreja da Madre de Deus permanecem de pé, mas em ruínas, e servem como portais para um mundo desconhecido. Enquanto isso, manifestações culturais como o frevo e o maracatu com seus caboclos de lança resistem.

Neste mundo, a humanidade descobriu como controlar e compartilhar sonhos lúcidos, dando origem a uma rede social chamada Hypnos. Nela, todos os usuários têm acesso a uma realidade virtual e paralela enquanto dormem. É para dentro deste lugar que a consciência da personagem é acidentalmente sugada: um grande sonho coletivo 200 anos à frente da sua realidade temporal.

Segundo Roberta Veras, a história nasce também de reflexões sobre a lógica predatória do sistema capitalista, suscitadas pelo contato com a obra Capitalismo Tardio e os Fins do Sono, de Jonathan Crary. “O livro em suma aborda o desejo capitalista de atribuir valor econômico ao tempo em que a classe trabalhadora passa dormindo, uma necessidade biológica humana que vem sendo cada vez mais diminuída (em horas) por diversos fatores, sejam mentais, emocionais, e/ou impulsionados por desejos consumistas (as melhores promoções são sempre pela madrugada). A lógica é que, enquanto se está acordado, se está ‘consumindo’ alguma coisa, ainda que seja somente conteúdo. Mas que valor em capital tem o tempo que você dorme?”

A partir de então, a ilustradora começou a pesquisar mais sobre o assunto e descobriu que, inclusive, já existem experimentos de hipnose que buscam dominar o mundo dos sonhos ou até mesmo viabilizar o compartilhamento de um mesmo sonho entre várias pessoas. “Se tais experimentos sucederam, eu não tenho uma resposta agora, mas foi daí que surgiu a ideia da Hypnos para a narrativa”, pontua.

“As pessoas nesse futuro vivem uma vida dupla: quando estão acordados trabalham para custear suas necessidades de sobrevivência material e o sistema Hypnos, e quando dormem têm acesso automático a Hypnos, uma realidade virtual onde todos ‘sonham juntos’. Ninguém mais ‘sonha espontaneamente’ ou ‘isoladamente’, todos estão vivenciando o mesmo sonho e dentro dele se pode ter a aparência que desejar, ter sensações materiais realistas e vivenciar inúmeras experiências fantasiosas, contanto que possam ‘custear’ tudo isso.”

Neste primeiro volume, o foco será introduzir a personagem principal, Princi, e apresentar a sua experiência dentro deste sonho futurista. Para os próximos números, a ilustradora promete trazer uma visão mais aprofundada sobre a rede social Hypnos: como realmente funciona, suas regras, custos, impactos na sociedade e quem está por trás dela.

Em 2019, Roberta Veras foi responsável por ilustrar uma reportagem adaptada para os quadrinhos sobre abortos clandestinos no Recife para a revista Tira. O trabalho foi vencedor do Prêmio Jornalístico Vladmir Herzog de Anistia e Direitos Humanos e marcou a primeira incursão da designer na nona arte. Comuna do Sonhos chega como sua estreia autoral. A obra tem classificação etária de 18 anos e foi contemplada pelo Funcultura 2019/2020.

Por: Gabriela Agra
Fonte: Revista O Grito

 

 

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