HQs no Brasil: uma ferramenta de transformação social
As HQs, ou histórias em quadrinhos, são conhecidas principalmente pelos grandes clássicos de heróis e vilões que também fizeram sucesso na tela dos cinemas, sobretudo com Marvel e DC. Porém, engana-se quem pensa que as histórias em quadrinhos se restringem a esse tipo de produção. Para entender o atual momento e as principais produções das histórias em quadrinho no Brasil, o ‘Prosa’ convidou o quadrinista e professor Robson Moura, o repórter e ilustrador Alexandre De Maio e a ilustradora e quadrinista Marília Marz para compreender as infinitas possibilidades que o gênero possibilita.
No Brasil, essa história já tem mais de 150 anos. Para Waldomiro Vergueiro, coordenador do Observatório de Histórias em Quadrinhos da USP, a primeira HQ brasileira foi publicada em 1879, pelo artista ítalo-brasileiro Angelo Agostini, com o título “Nhô Quim”.
Ganhando cada vez mais espaço, e consequentemente novos formatos, hoje as histórias em quadrinhos brasileiras conversam com questões de arte urbana e arte de rua, racismo, empoderamento e até mesmo denúncias, quando trazem uma pegada mais jornalística.
Para Alexandre De Maio, os quadrinhos são uma maneira de conseguir conversar com outras pessoas, se relacionar e também se expressar. Durante a prosa, ele contou que o que realmente o prendeu aos quadrinhos foi a possibilidade de falar dos problemas sociais através da arte.
“Sinto que sempre foi um jeito de me relacionar com o mundo, era o jeito de fazer alguma coisa e ter uma resposta. Pra mim a virada de chave foi muito grande quando eu estava crescendo e os Racionais e o rap estavam muito forte. Eu via quadrinho de super-herói, mas não me animava tanto o fato de desenhar prédios e heróis de Nova Iorque. Ao mesmo tempo eu estava vendo o rap de São Paulo e eu fiz um quadrinho sofre uma bala perdida na minha rua, era um período de muita violência e com o rap explodindo.”
Críticas sociais e transformação
Marília também destacou durante a prosa que considera os quadrinhos uma forma incrível de democratizar o conteúdo. “Olhando para o meu TCC, que é algo acadêmico e eu fiz em quadrinhos, com certeza se tivesse feito de outra forma o trabalho não teria ido tão longe como foi. O alcance dele faz com que os assuntos vão mais longe, é uma ferramenta poderosa e rápida de passar um conteúdo e uma informação. Acho que o conjunto entre palavra e imagem tem um poder de disseminação e pode até acarretar em mudanças sociais”.
Robson, que recentemente lançou a HQ “A Casagrande”, que traz a temática do terror para trabalhar a questão do racismo, afirmou que esse é exatamente o fio condutor de suas histórias em quadrinho.
“Eu acho que a HQ pode ser um agente de transformação social porque quando você observa os quadrinhos tem vários temas diferentes e eu vejo pelo retorno que a minha própria HQ tem. Na última Comic Con Experience (CCXP) uma senhora começou a folhear minha HQ e começou a chorar, emocionada. Então acho que tem sim esse poder”.
Mercado brasileiro
Atualmente, até mesmo como um efeito da pandemia, estamos em meio a um processo de migração dos quadrinhos do impresso para o digital. Robson, inclusive, destacou um primeiro momento de mudança quando passamos “do nada”, para a realização de feiras como a CCXP.
Para De Maio, a possibilidade dos financiamento coletivo também foi um passo importante para o atual momento. “Com a facilidade do financiamento digital muitos artistas conseguem viver da sua arte, mas também são vários quadrinhistas que não tem emprego. A base de muitos artistas também eram as feiras que agora não são possíveis na pandemia, então estamos criando um novo mercado”.
Marília também criticou uma forte influência norte-americana no mercado brasileiro. “Eu via na CCXP narrativas de índios e cowboys norte-americanos e me questionava porque falar de uma história que não é nossa. Você vai desenhar uma lixeira, e desenha uma lixeira de Nova Iorque sem nunca nem ter ido para Nova Iorque”.
Hipersexualização de mulheres na HQ
O número de mulheres quadrinhistas no Brasil têm crescido e, para Marília, é uma preocupação começar a mulheres reais, uma vez que aquelas representações de muitas HQs não existem e são um reflexo da indústria pornô.
“Vamos chegar na voadora nesses caras que desenham mulheres peladas e hipersexualizadas. Acho isso um horror, inclusive, desde sempre como mulher você não encontra seu lugar na HQ, nem como autora e muito menos nos quadrinhos, a não ser que você seja branca, magra e norte-americana”.
Por: Gabryella Garcia
Fonte: Hypeness